Wednesday, February 09, 2005

O ouro sujo de Moscou

Ele estava nu na sauna ("banya", em russo), em Moscou, em 1989, e "foi assediado por um grupo de homens também nus que o incitaram a manter uma rebelião contra a estrutura do Partido Comunista soviético".Tempos depois, já presidente da Rússia, Yeltsin confessaria:"Naquele momento na banya (sauna), mudei minha visão do mundo. Ali entendi que eu era comunista por tradição, por inércia, por educação, mas não por convicção". Ex-engenheiro de uma empresa construtora no interior da União Soviética, esportista amador, técnico de um time feminino de vôlei, praticante de tênis, esqui, ginástica e boxe, mandachuva municipal do Partido Comunista em Moscou, Boris Nicolaievski Yeltsin também confessou que "era capaz de ser facilmente influenciado e chegou a mudar inteiramente de idéia sobre determinados assuntos, graças a uma palavra ouvida no meio de uma conversa ou uma frase lida num artigo de jornal".E era, sobretudo, um alcoólatra.

GORBACHEV
Essa história, contada por seu principal biógrafo, o russófilo inglês John Morrison, no livro "Boris Yeltsin, de bolchevique a democrata", está relembrada em um livro primoroso e imperdível do jornalista e escritor Geneton Moraes Neto, "Dossiê Moscou", do ano passado (Geração Editorial).
Geneton estava em Moscou no dia 16 de junho de 1996, quando se realizou a primeira eleição direta para presidente da República na história da Rússia, "início de uma nova era". Yeltsin derrotou Gennady Ziuganov, doutor em Filosofia, professor de Matemática, ex-vice-diretor do Departamento de Ideologia do PCUS, que refundou o Partido Comunista: dissolvido por Gorbachev, fez maioria no parlamento russo e quase derrotou Yeltsin.
Yeltsin derrotou também Mikhail Gorbachev, "o homem que é um fracasso eleitoral dentro de casa e arrasta multidões no exterior", "entrou para a história porque mudou o rumo do século XX" (com o Papa João Paulo II), e, segundo outros, "vai entrar para a História como o maior reformador do século XX", "salvou a Rússia da escravidão", "libertou o mundo do medo da aniquilação nuclear" e recebeu de seu povo a humilhação de 1% dos votos.

YELTSIN
No dia 11 de março de 1985, um jovem de apenas 54 anos, ilustre desconhecido para o resto do mundo, assumiu o poder no Kremlin, como secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética.
Seis anos depois, em 31 de dezembro de 1991, Gorbachev oficializou o fim do império soviético, da União Soviética, e a libertação dos países a ela vinculados. A Rússia virou de cabeça para baixo, chegou à beira da guerra civil, sofreu um golpe frustrado de generais e caiu nas mãos do grande, gordo, alcoolizado e desastrado Boris Yeltsin, que entregou o país à máfia russa:
"Uma vez, numa entrevista no Kremlin, Yeltsin precisava consultar discretamente anotações produzidas por assessores ao responder a perguntas sobre temas que supostamente faziam parte do seu dia-a-dia presidencial. Ainda assim, confundiu Tzaquistão com Uzbequestão e destino do lixo atômico com uso de arma atômica".

A MÁFIA RUSSA
Em 95, véspera da eleição de 96 (para ele, reeleição, porque já estava no governo), Yeltsin precisava "fazer caixa" e resolveu privatizar todas as empresas estatais. Mais audacioso ainda do que Fernando Henrique, criou o programa "ações por empréstimo": as estatais "passavam ao controle acionário de empresários que, em troca, davam um dinheiro ao governo; como não iam mesmo receber o dinheiro de volta, ficaram com as empresas todas".
Do dia para a noite, apareceram na Rússia uns 20 bilionários, os "oligarcas", a quem Yeltsin doou o país, que fatiaram para eles: Mikhail Khodorkovski (o mais rico, "rei do petróleo"), que ficou com a Yukos de petróleo e está preso em Moscou por fraude; Roman Abramovich, namorado da filha de Yeltsin e hoje o homem mais rico da Inglaterra, para onde fugiu, com uma fortuna de US$ 14,5 bilhões; Boris Berezovski, também foragido na Inglaterra, sócio de Abramovich na gigante de petróleo Sibneft, pela qual deram a Yeltsin US$ 225 milhões, em "ações por empréstimo", quando o valor de mercado era de US$ 2,8 bilhões (em 2003, já estava avaliada em US$ 15 bilhões); Badri Pastarkatsishvilli, magnata mafioso georgiano; e outros.

KIA JOORABCHIAN
De repente caiu de pára-quedas no Brasil o misterioso iraniano Kia Joorabchian, testa-de-ferro de Berezovski, Abramovich e Pastarkatsishvilli, com um "fundo de investimentos" mafioso das Ilhas Virgens britânicas, o MSI, comprou o Corinthians e o governo o recebe de braços abertos.

Por que o presidente Putin, da Rússia, eleito por Yeltsin com apoio e financiamento de todos eles, os prendeu ou escorraçou?(Conto amanhã.)


Sebastião Nery

(Tribuna da Imprensa online, 09/02/2005)

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