Wednesday, December 06, 2006

Boris Berezovsky e o Efeito Bizarro

Num mundo virado de ponta cabeça, os criminosos são os “bons moços”.

Quando eu expus minha tese pela primeira vez, que nós sofremos do que eu chamo “efeito bizarro”, a inversão dos valores morais assim como das regras lógicas, era apenas hipoteticamente, uma avaliação experimental sobre as conseqüências dos ataques terroristas de 11 de Setembro. Eu não estava absolutamente seguro que a amplitude da força desses aviões batendo no World Trade Center e no Pentagon tinha aberto um buraco na continuidade do espaço-tempo e nos mergulhou no “Mundo Bizarro”, um universo alternativo, onde o mais é menos, o certo é errado, e onde Satã senta-se no trono do céu. Mas as evidências continuam se acumulando, como a extensão externa do Efeito Bizarro, com seu ponto de partida começando na parte baixa de Manhattan e Washington, D.C. Ele é agora um fenômeno mundial e está se espalhando com rapidez. Deixe-nos fazer um tour, então, das áreas de tensão do mundo, onde o Efeito está acelerando de forma jamais vista…

Primeira parada – Londres, local do primeiro ataque terrorista nuclear do mundo, onde um tal Alexander Litvinenko, ex-agente da KGB, foi morto teoricamente numa conspiração, envenenado com Polônio radioativo. No seu leito de morte, Litvinenko culpou o Presidente russo Vladimir Putin e o Serviço de Inteligência Russo, FSB (ex-KGB).

Não importa se isso não faz absolutamente nenhum sentido, que Putin teria que estar louco para mandar ou aprovar um ataque desse tipo, que a Rússia não tinha nada a ganhar com isso, só a perder. Sendo otimista, desconsiderando a total falta de evidências implicando a Rússia, e, por favor, fazendo de tudo para ignorar o caráter sombrio da vítima e de seu patrono, o bilionário oligarca russo, cuja carreira criminosa foi bem documentada pelo recém falecido Paul Klebnikov. (Depois que sua fascinante criação “The Godfather of the Kremlin” (“O Poderoso Chefão do Kremlin”) foi publicada, Klebnikov foi liquidado por assaltantes desconhecidos).

Como Ayn Rand disse uma vez: Não se preocupe em entender a loucura, pergunte a você mesmo somente aonde isso vai levar. A esquisita morte de Litvinenko lançou um maremoto de histeria Russofóbica: reportagens deixam mundo afora praticamente espumando pela boca, exigindo a cabeça de Putin, e os políticos também não estão muito longe disso.


Outro dia a Fox News entrevistou os Senadores Joe Biden e Lindsey Graham, e aqui está o que eles têm a dizer sobre os negócios de Litvinenko:

Pergunta, e eu começarei com você, Senador Biden: Você crê, eu acho que é especulação, mas você acredita que Vladimir Putin, o presidente da Rússia, esteja envolvido? E como nós podemos provar que está ou não, como isso deve afetar nossas relações com a Rússia?”

"BIDEN: Bem, eu não sei se está envolvido, mas nossas relações com a Rússia, para começar, têm que se resolver. A Rússia está se mexendo cada vez mais em direção a uma oligarquia local. Putin está consolidando o poder. Ele está fazendo isto nos últimos seis anos. Nós basicamente estamos dando-lhe adeus. Eu acho que a Rússia está se distanciando da democracia genuína e de um sistema de mercado livre, e indo mais em direção a uma economia autocrática e sob o controle de um único homem. Então eu não sou um grande admirador de Putin, e eu acho que nós devemos fazer politicamente um confronto direto com Putin, sobre a necessidade de que ele mudasse o curso das suas ações.“

"GRAHAM: Eu acho que Joe está certo."

Esta idéia de “eu não sei se ele fez isto, mas...” é o caminho comum na direção desta luta particular de propaganda de guerra, e está em toda parte: leia este comentário de Anne Applebaum e veja se você não chega no mesmo tema de efetiva ambigüidade a despeito da retidão moral.

A primeira metade do seu livro é dedicada a um resumo da complexidade do caso, e ela traçou a melhor linha, até agora, na cobertura dos negócios de Litvinenko: “Embora não saibamos quem matou Litvinenko, nós aprendemos que Londres é um lugar mais exitante do que poderíamos imaginar.” Apesar de reconhecer a falta de evidências conectando Putin e seu governo ao prolongado martírio de Litvinenko, foi confirmado que Putin é culpado independentemente dos fatos ou evidências:

Com o progresso da investigação, eu tenho certeza que muitos outros personagens, maravilhosamente obscuros, vão aparecer junto com muitas teorias sobre quem estava tentando levar quem ao descrédito. Mas, embora existam dúvidas sobre ele realmente ter dado uma ordem a algum autêntico matador, no sentido mais profundo da palavra, Putin é certamente responsável pela morte de Litvinenko: ele dirige esta velha teia de operações de inteligência; de fato, ele está sentado no centro. E aprova seus métodos. Um dos seus primeiros atos como primeiro-ministro em 1999 foi o de desvelar uma placa a Yuri Andropov, o ex-chefe da KGB, mais conhecido por seu tratamento áspero aos dissidentes. No ano passado, russos construíram uma estátua a Andropov. Ninguém devia ter se surpreendido quando o ex-perseguidor dos modernos “dissidentes” da KGB, posteriormente, foi se tornando cada vez mais duro com o passar dos anos, ou que isto tenha culminado neste estranho assassinato.”

Putin é o responsável, ainda que ele não seja. Porque, veja você, ele dirige uma “teia” misteriosa de “operações.” Que prova mais nós necessitamos do que essa placa dedicada a Andropov? Para Anne Applebaums, no mundo de hoje, isso é evidência suficiente. Não há necessidade de se receber algo mais específico que isso: Por favor não nos aborreça com mais nenhum detalhe desagradável. Nós temos uma nova Guerra Fria para vencer …

Isso é o que significa a suposta culpa de Putin "num sentido mais profundo."

Applebaum conta-nos que a trajetória da carreira do “ex-operário” da KGB deu muitas voltas depois da queda da antiga União Soviética. O “mais estúpido”, disse, citando Oleg Gordievsky, um desertor de alto nível da KGB, da era da Guerra Fria, foi escolher entre unir-se à reorganizada FSB ou a algum equivalente estrangeiro, enquanto os outros entravam nos negócios, na política ou uniam-se à Máfia Russa. O que ela não menciona é que pessoas como Litvinenko formaram ainda outra facção: os que se uniram aos oligarcas russos num acordo para tomar o Kremlin depois de serem expulsos por Putin. (Sim, os oligarcas coincidem com a Máfia, mas são diferenciados dela, no sentido de adotarem uma conotação política para suas atividades de “negócios” ilegais).

Há uma razão para que Boris Berezovsky, o bilionário russo que saqueou a economia de seu país durante a era corrupta de Yeltsin, levasse Litvinenko sob a sua asa. Berezovsky é procurado na Rússia, sob acusações de assassinato, extorsão e imenso roubo, e está lutando contra a extradição. Ele também incitou a violenta derrota do governo russo, a qual rendeu a ele uma repreensão de Jack Straw, ex- ministro dos Negócios Estrangeiros britânico. O oligarca russo achou que Litvinenko poderia ser útil, e assim publicou seu livro que culpava Putin por praticamente tudo, incluindo a existência da Al-Qaeda, o massacre de Beslan (supostamente organizado pela KGB), e os bombardeios de cidades russas nos anos 1990 (executados, na verdade, por Chechenos islâmicos).

Se Litvinenko tivesse culpado Putin e a FSB pela queda de natalidade russa, eu não ficaria absolutamente surpreso, e nenhum outro russo ficaria, este é o porquê de sua credibilidade zero na própria terra natal. Ele era uma figura marginal, indigna de um golpe tão espetacular. Tantos salientaram, se os cossacos quisessem realmente matá-lo, por que eles o perturbariam com tamanha agonia e tão exótica morte, gerando enorme comoção pública com Litvinenko, empregada para enegrecer muito o nome de Putin, a ponto de acusarem a Rússia, quando um simples “acidente” de carro ou um encontro fatal com um “assaltante” poderia ter feito o trabalho?

Um pelotão inteiro de ex-agentes da KGB saltou para acusar Putin, incluindo, não somente Gordievsky, mas também Mikhail Trepashkin, que foi preso em 2003 sob acusação de estar “divulgando segredos de Estado” para a Inteligência Britânica e por porte ilegal de arma. Trepashkin agora alega, de sua cela, que ele sabe tudo sobre a morte de Litvinenko e que tem informações vitais para os investigadores. Uma antiga história publicada pelo Moscow News, informa que Trepashkin, Litvinenko e Berezovsky são velhos companheiros:

Num bilhete obtido na prisão pelo The Moscow News, Trepashkin disse que seu caso começou quando o diretório de segurança, uma agência que supervisiona a polícia e as atividades do serviço sercreto, contatou a FSB a respeito de uma suposta reunião entre a Inteligência Britânica, Boris Berezovsky, o magnata exilado do petróleo, e o companheiro Alexander Litvinenko, agente da FSB. De acordo com o bilhete de Trepashkin, Litvinenko teria aparentemente contado sobre uma diligência planejada 'para despisinformação em relação a atividades da FSB e os bombardeios de apartamento em Moscou'. O diretório de segurança informou que foi Trepashkin que reuniu todas as informações.”

Não, Putin não dirige este pequeno grupo de ex-KGBs; Berezovsky é quem faz isso. O próprio magnata russo tem uma conexão com o principal suspeito no caso do assassinato de Litvinenko, o ardiloso Andrei Lugovoi, que era o braço direito do companheiro de Berezovsky, Nikolai Glushkov, fora da cadeia. Glushkov, ex-vice-presidente das linhas aéreas Aeroloft, foi condenado por desviar milhões e esconder o dinheiro numa conta bancária na Suíça, controlada por ninguém menos que nosso velho amigo Berezovsky. O elo comum aqui é o oligarca russo, não o presidente russo.


É interessante como o tempo muda a opinião de alguns. Por que, parece que foi ontem, que o camarada Gordievsky escreveu o seguinte no Telegraph britânico:

Litvinenko deu a entender que tem 'informações' que provam que Vladimir Putin estava por trás das bombas que mataram 300 pessoas em Moscou, há um ano. Essas bombas, foram atribuídas a terroristas chechenos, concedendo a Putin o pretexto que ele necessitava para uma nova ofensiva contra a Chechênia. Isso impulsionou sua vitória na eleição presidencial. Se você fizer a pergunta sobre quem se beneficiou com isso, a resposta é simples: Putin.”

Plantar uma bomba que mata 300 civis meramente para aumentar sua popularidade, seria uma nova marca de crueldade e sangue frio, mesmo pelos padrões impostos pelos antigos líderes da Rússia. Significaria que Putin seria capaz de atrocidades do tipo das de Calígula, o que levantaria muitos questionamentos sobre a sua sanidade mental. Nem mesmo Stalin, ponderadamente, explodiu prédios de apartamentos com seus próprios cidadãos. Putin poderia ter feito isso? Minha convicção é que é muito improvável. Mesmo supondo que o presidente da Rússia não tivesse qualquer escrúpulo moral… ele tem uma certa inteligência. Atualmente, na Rússia, seria impossível manter tal operação em segredo, e Putin saberia disso. Ele é bem capaz de calcular os riscos de exposição garantiriam que a operação seria pior que seus possíveis benefícios.

É mais fácil aceitar a alegação de Litvinenko, do que a KGB ter assassinado inimigos políticos, especialmente como ele disse que era parte do pelotão de ataque. Não obstante, haja alguns elementos estranhos na história. Boris Berezovsky é um alvo muito ímpar. Sim, é rico e tinha feito a maior parte de seus bilhões através de aquisições, legítima ou ilegitimamente, de estatais, para então explorá-los ou vendê-los, com enormes lucros. Sim, o fato de ele ser proprietário de meios de comunicação significa para seus inimigos que ele tem um poder perturbador.

Mesmo na Rússia, no entanto, é difícil entender como algum desses tem uma razão para ver Berezovsky morto. A KGB de Stalin era famosa por assassinar oponentes, com ou sem um simples pretexto. Mas com o tempo eu me uni à KGB, onde esses “serviços sujos” eram muito raros… Seria uma grande inversão de política para a KGB, voltar a assassinar as pessoas do jeito que fazia na Era Stalin. Por outro lado, se as alegações de Litvinenko não forem verdadeiras, é um mistério por que ele devia ter feito. O rumor em Moscou é que ele recebeu um grande suborno de Berezovsky, que simplesmente queria um meio de levar a KGB ao descrédito.”


O relato acima foi publicado em 5 de novembro de 2000. Hoje, no entanto, no mesmo jornal, Gordievsky esqueceu-se de todo seu ceticismo sobre as acusações bizarras de Litvinenko, caiu sua discórdia de que Putin teria que ser louco para executar, no estrangeiro, o assassinato dos seus inimigos políticos, e sustenta sua implicação sobre Berezovsky subornar Litvinenko para afetar Putin:

O presidente russo, Vladimir Putin, pode ordenar o assassinato de todos seus oponentes exilados na Grã-Bretanha, inclusive eu, a menos que Tony Blair e George W. Bush cessem com o tratamento pacífico a esse regime autoritário. Eu não tenho nenhuma dúvida que o homem que tentou matar meu amigo Alexander Litvinenko está em Moscou e andará livremente pelas ruas para contar que o regime atual, que é dominado por ex-membros da KGB, controla o Kremlin.”

Alexander era um crítico ferrenho de Moscou, que freqüentemente falava com linguagem dura, dos abusos do poder do Estado. Suas investigações mais recentes foram guiadas pela sua crença de que Putin tinha ordenado a execução de Anna Politkovskaya, a jornalista que foi baleada na entrada de seu prédio, no mês passado.”

A tentativa de matar Alexander, a quem só no mês passado foi concedida a cidadania britânica, não podia ter sido executada sem a aprovação expressa do presidente.”


Então é assim: o estilo da KGB de “serviços sujos” é uma coisa do passado ou uma característica do futuro? Putin está lúcido ou é louco? Berezovsky ainda é um conspirador, oligarca inescrupuloso, que subornou Litvinenko para usá-lo meio como um fantoche? A única menção de Berezovsky foi no enterro:

Quando falei com Marina, esposa de Alexander, ela estava convencida que a tentativa de assassinato foi executada por um homem, que eu não darei o nome, mas sua identidade é largamente conhecida nos círculos empresariais russos. Este homem foi por algum tempo, um sócio próximo de Boris Berezovsky, o bilionário empresário expulso por Putin, que agora vive no exílo em Surrey. Depois de um período na prisão, o ex-subordinado emergiu como um agente da KGB e tornou-se muito rico.


Por organizar uma reunião com Alexander e administrar uma dose do mortal de veneno Tallium, ele pagou sua dívida para com o Estado. Está agora seguro para a volta à Rússia, e, assim, livre de qualquer tentativa de acusação por suas ações.”

Gordievsky está aqui acusando Lugovoi, e se presume, os outros dois russos que se encontraram com Litvinenko naquele dia fatídico do assassinato, Vyacheslav Sokolenko e Dmitry Kovtun. E a evidência? Quem precisa de evidência? Afinal de contas, de acordo com Gordievsky, “Putin está eliminando seus oponentes com a mesma cruel determinação exibida por Adolf Hitler nos anos 30.” O Putin é Hitler, e Lugovoi é seu agente: caso encerrado.

Mas Lugovoi, de acordo com outro artigo do Telegraph, foi absolvido de todas as acusações e não há nenhuma evidência de que tenha havido algum rompimento com seu velho amigo Berezovsky. Lugovoi teve várias reuniões com Litvinenko durante seu relacionamento de 10 anos, e, embora não fossem amigos íntimos, não eram também inimigos.

Em 2000, Litvinenko foi despedido por Gordievsky, como “meio maluco” e Putin foi retratado por ele como “possuindo certa inteligência” e em plena posse da sua sanidade. Em 2006, o Presidente russo, repentinamente, tornou-se um louco neo-nazista, pronto para matar qualquer um e todo o mundo que encontre em seu caminho, não importa onde eles estejam. Seguramente, as pessoas podem mudar suas mentes, mas esta reviravolta completa requer algo mais de uma explicação que Gordievsky se aborrece em dar.

O que nos traz à questão maior da razão para a corrente campanha anti-Rússia que está sendo empreendida nos (ou, antes, pelos) meios de comunicação ocidentais. A resposta, creio, pode ser encontrada aqui. Também lá e acolá. Putin está executando uma política externa independente, uma que não se adapta aos ditames de Washington, e isto irrita, especialmente quando se trata do Oriente Médio. A ausência de Putin ou de seu apoio à campanha para impor sanções contra o Irã, em particular, incitou os americanos e os britânicos a tirar a forra com o Urso Russo. Subtamente estamos ouvindo um refrão familiar sobre “imperialismo russo”, isto partindo de cidadãos de uma nação que invadiu e ocupou o Iraque, ameaçando exportar sua idéia de “democracia” contra o perigo das armas por todo o globo!

Como eu adverti já há um par de anos, a Russofobia é a última e mais perigosa tendência em Washington, e agora é uma moda bipartidária, como os senadores Biden e Graham demonstraram na Fox News (onde mais?) outro dia.

Sim, Senadores, isto é justamente o que nós precisamos: outra confrontação com um inimigo estrangeiro ainda mais formidável, desta vez uma potência nuclear. E pensar que Biden está caminhando para ser presidente! Ah, mas isto é o que é incrível neste país: mesmo o mentalmente desiquilibrado pode sonhar com a Casa Branca. Que Deus abençoe a América.

Há “zero” de evidência que Putin tenha ordenado a liquidação de Litvinenko, mesmo que nosos principais políticos e sábios estejam todos se colocando para liquidar o Presidente russo e lançando um novo "choque de civilizações entre o mundo eslavo e o ocidental”.

Que fazer quando estão atolados numa guerra impossível de ganhar, rodeados de todos os lados por terroristas, enquanto uma onda de anti-americanismo se alastra pelo mundo? Por que você adiciona os russos à sua lista crescente de inimigos, enquanto incitando mais anti-americanismo, porque é “a coisa certa”, gerar um Mundo Bizarro.

Vivemos num mundo onde os criminosos são bons rapazes, e os patriotas, vilões: onde Berezovsky é um liberal ativista de “direitos humanos” e Putin, um monstro moral. E é essa a razão pela qual chamam isto de Mundo Bizarro...

(AntiWar, http://www.antiwar.com/justin/?articleid=10116, 06/12/2006)