Thursday, September 14, 2006

Jovens da Argentina, via Brasil e uma secreta companhia financeira offshore

Uma história do futebol moderno: estrelas de aluguel, empresários, agentes e espertalhões

Ian Cobain, Paul Kelso e Tom Phillips
Quando dois dos mais novos e talentosos jogadores de futebol do mundo despontaram no túnel do Upton Park no último fim de semana, a multidão do estádio quase lotado poderia ter sido perdoada por pensar que estavam se divertindo com alguma versão do futebol de fantasia na vida real.
Num determinado sentido, estavam certos: Carlos Tévez e Javier Mascherano, estrelas do selecionado argentino na Copa do Mundo de 2006 tinham sido adquiridos do Corinthians, gigante do futebol brasileiro, poucas horas antes de ser realizada sua transferência. O West Ham, mais tarde deixou vazar que não pagou um único centavo pela dupla de jogadores. Deve ter ido além do sonho mais extravagante de qualquer fã do West Ham.
Por outro lado, a maneira com que Tévez e Mascherano foram apresentados na região E13 de Londres não teve nada a ver com fantasia. Era um negócio embasado firmemente na nova realidade do futebol de grandes lances, em um contrato de propriedade de milhões de libras e na exploração dos direitos de imagem dos jogadores, por agentes todo-poderosos e por oligarcas russos.
É também uma nova realidade de transações financeiras impenetráveis e, em alguns casos, de acusações de lavagem de dinheiro.
O The Guardian descobriu que a companhia que possuía previamente ambos os jogadores e que estava vinculada a uma proposta de assunção de controle do West Ham, está sendo investigada após um inquérito que apura lavagem de dinheiro.
A MSI, uma subsidiária de uma empresa secreta de investimentos, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, está sob investigação depois que assumiu o controle do clube SC Corinthians Paulista, em dezembro 2004.
Um relatório preparado pelo escritório da Procuradoria do Estado de São Paulo, após investigação por agentes da Força-Tarefa contra o Crime Organizado e do serviço de Inteligência, Agencia Brasileira de Inteligência (ABIN), alega que "existem índicios suficientes para mostrar que a parceria MSI-Corinthians está sendo usada para lavagem de dinheiro".
O EMPREENDEDOR
Poucos sabem as identidades dos indivíduos fornecedores do suporte financeiro que permitiu que a MSI alugasse o Corinthians em um negócio de 10 anos e, então, comprasse algumas das mais brilhantes promessas de jogadores do continente. Nem se tem as identidades de todos os que deram o suporte financeiro à proposta de compra dos Hammers, por um valor entre £80 milhões e £100milhões de libras, conforme se tornou público.
Entretanto, o relatório do Procurador Geral de São Paulo, que foi obtido pelo The Guardian, informa que uma parte do dinheiro que está sendo deliberadamente lavada através do Corinthians, era "principalmente de Boris Berezovsky".
O Sr. Berezovsky, um matemático transformado em empreendedor, é apenas um dos pequenos, porém intrigantes, indivíduos ligados ao extraordinário negócio de transferências de capitais com subseqüente proposta de compra.
O grupo inclui um outro, assim chamado “oligarca”, que assumiu o controle de recursos oriundos de privatizações do governo russo, na barganha de preços, durante os dias caóticos da desestatização na Rússia; um agente israelita do futebol com influência global; e um empresário iraniano criado em Kent.
O Sr. Berezovsky foi o personagem mais rico e mais poderoso da oligarquia até que Vladimir Putin se voltasse contra ele, logo após a sua eleição como Presidente, em março de 2000. Desde então, o empresário tem vivido exilado no Reino Unido, dividindo seu tempo entre sua cobertura de Mayfair e sua grande propriedade de Surrey.
As autoridades russas acusaram-no de tentar um golpe de Estado. Todas as tentativas de extraditá-lo para ser julgado falharam, porque lhe foi concedido asilo político, durante uma investigação da Scotland Yard sob a alegação de que o SVR, um dos sucessores da KGB, estava tramando assassiná-lo com uma caneta tinteiro cheia de veneno.
Ele sempre negou as irregularidades de que era acusado, dizendo que agiu dentro da estrutura legal da época e que todas as acusações contra ele são politicamente motivadas.
O Sr. Berezovsky obteve recentemente passaporte britânico sob o nome de Platon Elenin, que parece ter sido escolhido inspirado no personagem principal de um filme vagamente baseado na sua vida. Ele não pode, entretanto, retornar à seu país natal, porque lá há grandes chances de que ele passaria o resto de seus dias em uma prisão na Sibéria.
Um outro homem que está sendo ligado à proposta ao West Ham, é Badri Patarkatsishvili, velho amigo do Sr. Berezovsky, ex-oficial do Partido Comunista da Geórgia. Os dois apareceram durante os anos 1990, e compraram empresas de alumínio e petróleo, sub-avaliadas na era Soviética, das quais formaram uma corporação enormemente lucrativa. Hoje o Sr. Patarkatsishvili, de 50 anos, possui também o clube de futebol Dinamo Tbilisi. Ele faz, ocasionalmente, viagens de negócios a Londres, mas gasta a maior parte de seu tempo em seu palácio em Tbilisi, capital georgiana, onde vive cercado de seguranças. E nunca se arrisca a ir à Rússia, onde enfrenta demasiadas acusações por fraude, que ele diz terem só motivação política.
Uma figura chave na história do West Ham parece ser Pini Zahavi, um misto de jornalista e agente israelita, que se tornou uma das figuras mais influentes no esporte inglês.
O Sr. Zahavi tem estado por trás das maiores transferências no futebol inglês, inclusive das transferências milionárias de Rio Ferdinand, do West Ham para o Leeds e depois para o Manchester United.
Enquanto sua influência foi crescendo, ele foi ajudando em negócios de corretagem para diversos clubes: esteve fortemente envolvido no episódio do Chelsea, de Roman Abramovich, e ajudou a um outro russo, Alexander Gaydamak, na compra do Portsmouth. Ele diz que esteve envolvido na transferência de Tévez e de Mascherano para o West Ham, mas nega fazer parte de qualquer negócio para assumir o poder no clube.
A única pessoa que admite ter dado uma mão nesse assunto é Kia Joorabchian, de 35 anos, cuja família fugiu do Irã para Kent, Inglaterra, após a revolução islâmica em 1979.
Um homem que tem dois passaportes, um britânico e um canadense, e que apresenta duas datas de nascimento diferentes na Companies House (
http://www.companieshouse.gov.uk),o Sr. Joorabchian diz que renunciou à presidência da MSI há algumas semanas atrás e que possui agora os contratos de Tévez e de Mascherano em caráter pessoal.
Ele decididamente recusa dizer quem financiou a companhia e sua parceria com o Corinthians, levando os Procuradores brasileiros a se queixar em seu relatório que “ele estava tentando, a todo custo, esconder da investigação, os negócios e a identidade das pessoas envolvidas nas transações". É igualmente esquivo sobre seus apoiadores na proposta do West Ham, indicando um hoteleiro israelita, mas declinando identificar outros.
O Sr. Joorabchian nega que o Sr. Berezovsky ou qualquer outro investidor russo esteja por trás da proposta; O Sr. Berezovsky diz que seu único interesse em futebol é como espectador, e nega qualquer participação na MSI, no Corinthians ou no West Ham.
Os advogados da MSI dizem que a investigação brasileira está enraizada em rivalidades políticas dentro do Corinthians, e que o Sr. Joorabchian não foi investigado pessoalmente: "o escritório da Procuradoria Nacional Brasileira manteve o caso aberto, mas, até a presente data, não tem nenhuma evidência ou nenhuma prova de qualquer irregularidade ou de lavagem de dinheiro a respeito dos negócios da MSI no Brasil."
O Sr. Joorabchian e o Sr. Berezovsky também negam categoricamente as alegações de lavagem de dinheiro que estão sendo veiculadas em São Paulo. O porta voz do Sr. Berezovsky disse que as polícias brasileiras mostraram que não estavam interessadas nele, quando foi liberado de ser indiciado, após ter sido detido e interrogado no Aeroporto Internacional de São Paulo, este ano.
Na Rússia, entretanto, poucos se esqueceram do papel do Sr. Joorabchian nas manobras financeiras que viram o Sr. Berezovsky obter o controle do Kommersant, um dos jornais mais influentes da era pós-soviética. Em 1999, com 28 anos, o Sr. Joorabchian comprou 85% do jornal através de uma companhia registrada nos escritórios das Ilhas Virgens Britânicas. Diz-se ter dado garantias de que não estava agindo em nome de outro. Meses depois, o jornal tinha passado para as mãos de Sr. Berezovsky.
O Sr. Joorabchian disse que foi o último negócio que fez com Berezovsky. O russo informou que o Sr. Joorabchian não estava agindo como seu testa-de-ferro, e que nem o faria. Alguns duvidam, o Sr. Berezovsky é um empresário que gosta de manter suas cartas sob seu rígido controle. "É quase sua marca registrada", diz um observador em Moscou.
REGULAMENTO FROUXO
Depois que Berezovsky negou primeiro o envolvimento nos negócios da MSI com o Corinthians, o Sr. Patarkatsishvili “tirou o gato para fora do saco”, quando disse a um jornalista no ano passado: "nós investimos em um clube de futebol maravilhoso no Brasil, o Corinthians. Nós investimos na equipe brasileira com Boris Berezovsky" O dinheiro, ele acrescentou, "tem o maravilhoso hábito de fluir onde se sente confortável". O Sr. Patarkatsishvili não é assunto de nenhum inquérito.
O Sr. Berezovsky repetiu suas negações, insistindo que seu amigo e ele estariam somente interessados na construção de um estádio em São Paulo. Entretanto, a investigação brasileira está em andamento, e agora, muitos estão querendo saber se ele está por trás da oferta do West Ham.
Se o Sr. Berezovsky estiver envolvido, estaria juntando um grupo crescente de investidores estrangeiros tentados pela combinação do futebol inglês, de dinheiro fácil, glamour e de uma legislação frágil. É uma mistura que atraiu o Sr. Abramovich e o Sr. Gaydamak. O americano Malcolm Glazer estava contraindo uma enorme dívida para comprar o Manchester United, enquanto um segundo magnata americano, Randy Lerner, havia acabado de comprar o Aston Villa.
A maior parte do dinheiro vem da TV: de qualquer forma a Primeira Divisão inglesa (Premier League), fundada há 14 anos, tem conseguido um sucesso estonteante, brilhando em uma era de riqueza sem precedentes no alto esporte bretão. Patrocinado com dinheiro da rede Sky, de Rupert Murdoch, a Liga se transformou em fenômeno global da TV.
No início deste ano, a Liga firmou um novo contrato com Sky e com a estação via satélite rival, a Setanta, que vai dar £1.7bilhões aos clubes em três anos, um aumento de 66% no contrato já existente. O valor total dos direitos estrangeiros e os novos negócios de tecnologia estão garantidos e espera-se alcançar £2.5bilhões, fortuna que faz mesmo um clube de médio porte, tal como o West Ham, se tornar um enorme atrativo para os investidores estrangeiros.
ABERTURA DE FORTUNA
O clima febril da Primeira Liga também ajudou a criar condições favoráveis aos investidores. Com a chegada da fortuna ao topo, e com as cifras crescendo o tempo todo, os patrocinadores sabem que somente com muito dinheiro podem mudar a situação, então estão cada vez mais despreocupados sobre a origem do capital.
Um outro atrativo aos investidores no West Ham são os Jogos Olímpicos de 2012. Espera-se que os Jogos transformem o leste de Londres, e que num período de seis anos, exista não somente, um Parque Olímpico, um Shopping Center e um novo condomínio residencial, como também um novo estádio com capacidade para 80.000 lugares sentados, os quais os torcedores do West Ham estariam ansiosos em ocupar.
Outra razão para o Sr. Berezovsky estar sendo atraído para o clube pode estar no fato de seu relacionamento com o Sr. Abramovich, que foi inicialmente seu protegido e passou a ser seu sócio no maior esquema de privatizações, há 10 anos atrás, o qual viu a criação da Sibneft, uma companhia petrolífera russa.
Depois que Putin, há seis anos, cerceou muitos dos principais empresários da Rússia, numa tentativa de recuperar o Estado Russo das mãos da oligarquia, ele visou primeiramente o Sr. Berezovsky, o mais rico e mais poderoso de todos eles. A partir desse ponto, o Sr. Abramovich parece tê-lo tirado do jogo e colocado de lado a cada momento o seu ex-mentor.
O Sr. Berezovsky foi inicialmente forçado a se exilar e a vender, sob pressão, muitos de seus bens ao Estado russo. Hoje, estima-se que seu patrimônio recente esteja abaixo dos £800milhões. O proprietário do Chelsea, por outro lado, continua com um bom contato com Putin, está próximo dos prováveis sucessores do presidente russo e passa grande parte do seu tempo em Moscou. Ele está fechando a mão do dinheiro. E desde a compra de seu clube de futebol do leste londrino, deixou sua marca na área cultural de outra nação de uma maneira que mostra adulação e, talvez, segurança.
Assim, algumas pessoas em Moscou estão questionando, se Berezovsky poderia estar comprando os rivais do extremo leste do Chelsea simplesmente para intranqüilizar Abramovich?
Estamos nós prestes a testemunhar o futebol como uma “briga de rua” moscovita com um outro significado?
The Guardian