Sovietic News

Tuesday, December 12, 2006

'Bomba Suja Ambulante' fala sobre encontros em Londres

Anna Sadovnikova, Hans Hoyng,
Thomas Hüetlin e Uwe Klussmann

Poucos dias antes de ser colocado em quarentena em um hospital de Moscou, o empresário russo Andrei Lugovoi, um dos principais suspeitos da Scotland Yard pela morte de Alexander Litvinenko, falou para a "Der Spiegel" sobre seus encontros com o ex-espião.
Andrei Lugovoi, 40 anos, um ex-agente da KGB e atualmente uma espécie de minimagnata na indústria de refrigerantes da Rússia, é o homem que investigadores britânicos acreditam ter deixado um rastro inconfundível de radiação em Londres.
Onde quer que o empresário tenha aparecido durante suas visitas quase semanais à capital do Reino Unido, ele deixou traços de radiação; nos aviões que o trouxeram ao Reino Unido, nos hotéis onde ficou, nos restaurantes e escritórios onde participou de reuniões.
Os contadores Geiger até mesmo soaram no novo Emirates Stadium, onde ele assistiu a um empate tedioso entre o Arsenal de Londres e o CSKA Moscou naquela fatídica quarta-feira, 1º de novembro.
Os especialistas da Scotland Yard deram indícios claros de que consideram Lugovoi como o principal suspeito, o homem responsável pela trilha da arma do crime, o isótopo Polônio 201, que aponta para Moscou, onde não está exatamente disponível no mercado aberto - apenas oito gramas são exportadas por mês.
Eles não dizem publicamente, mas pensam que ele trouxe o veneno para Londres. Ao serem perguntados se o consideram o assassino de Litvinenko, eles não respondem, é claro.
E é claro que Lugovoi está alegando inocência. Mas não é algo fácil para alguém que presumivelmente está cercado por uma coroa inteira de sombras dos serviços secretos orientais e ocidentais.
Ele também quis dar sua versão dos eventos para a "Der Spiegel". Foi um empreendimento complicado. Para encontrá-lo tivemos que ir a um pequeno beco no centro de Moscou, há dois sábados. Não havia nenhuma alma à vista até que um jipe cinza encostou lentamente. O motorista e o passageiro no banco da frente tinham em torno de 30 anos e eram identificáveis como guarda-costas pela sua constituição física e corte de cabelo.
Eles esquadrinharam a rua e nos pediram para entrar. O carro seguiu na direção sudoeste para fora da cidade. Tudo o que nos disseram sobre nosso destino era que a viagem levaria cerca de uma hora. Após 40 minutos, Moscou parecia distante. Nós passamos por babushkas carregando baldes de água e velhos sentados à beira da estrada vendendo maçãs. O tempo parecia ter parado aqui. O carro entrou em uma rua chamada "40 Anos da Revolução de Outubro".
O jipe parou diante de um grande portão de ferro; um guarda uniformizado permitiu que entrasse na propriedade. Diante da dacha de dois andares se encontrava Lugovoi, vestindo uma jaqueta quadriculada ao estilo lenhador. Ele tentou parecer à vontade e apresentou seu colega Dmitry Kovtun. Um antigo colega dos tempos de exército, também um empreendedor, "petróleo e gás" ele disse, seja lá o que isto significa.
Kovtun participou da reunião agora mundialmente famosa com Lugovoi e Litvinenko no Millennium Hotel de Londres. Ele estava tão careca quanto Litvinenko estava quando se encontrava na terapia intensiva no University College Hospital.

O encontro na sauna

Kovtun fuma cigarros sem parar. Ele disse que se queimou enquanto tomava banho de sol. É o motivo para ter raspado o cabelo; caso contrário seria doloroso demais para suportar. Cinco dias depois as autoridades anunciaram que Dmitry Kovtun também foi exposto à radiação e levado a um hospital de Moscou.
Lugovoi e Kovtun não entraram na casa; eles seguiram para a casa de sauna a certa distância. A dacha estava "suja", disse Lugovoi. O que ele quis dizer? Contaminada com radiação? Grampeada? Ou apenas desarrumada? Posteriormente vimos maçanetas cobertas com fita adesiva.
Nós entramos na sauna. Lugovoi começou falando sobre seus contatos com Litvinenko. Ele disse que o conheceu em meados dos anos 90, quando ambos estavam trabalhando para o oligarca Boris Berezovsky. Foi antes de Berezovsky ter brigado com Putin e quando controlava a maior emissora de TV de Rússia, a ORT. Lugovoi era chefe de segurança lá e Litvinenko exercia todo tipo de função, incluindo a de assistente ao parlamentar Berezovsky, que tinha sido eleito para a Duma pela república do Cáucaso de Karatchaiev-Tcherkássia.

Então ocorreu o grande choque com Putin e Berezovsky e Litvinenko fugiram para Londres.

Lugovoi disse que viu Litvinenko novamente pela primeira vez em outubro de 2004, com Berezovsky, em Londres. Ele passou 40 minutos com ele em um restaurante chinês, durante os quais Litvinenko falou sobre "como a Rússia está travando uma guerra contra émigrés e os émigrés estão travando uma guerra com a Rússia". Lugovoi fazia parecer que o assunto particularmente não lhe interessava.
Há um ano Litvinenko lhe telefonou de novo, disse Lugovoi. Ele evidentemente não estava se saindo bem. "Ele queria arranjar acordos comerciais para mim para ganhar algum dinheiro." Com um toque de vaidade, Lugovoi disse como Litvinenko o invejava devido a como estava "bem posicionado", "em que hotéis ficava" e quanto gastava em compras.
Então discutiram o pagamento de comissão e se Litvinenko receberia sua parte de ambos os lados comerciais ou apenas dele. Eles concordaram em um arranjo de 20% por acordo, pagos por Lugovoi.

As reuniões em Londres

O émigré em Londres o apresentou a firmas de segurança, outra especialidade de Lugovoi ao lado de limonada e Kwas, uma cerveja de baixo teor alcoólico. "Eram empresas sérias localizadas no coração da cidade, onde o aluguel por metro quadrado é ainda mais alto do que na Rua Tver de Moscou", disse Lugovoi.
No final, ele não teve sucesso em fechar nenhum negócio e, para dizer a verdade, "Alexander tinha os contatos, mas nem sempre sabia como se comportar", disse Lugovoi, que lembrou com um ar de indignação de como Litvinenko, durante uma reunião com parceiros potenciais, persistia em lembrá-los nervosamente a não se esquecerem de "transferir 100 mil libras (148 mil euros) para nós". Lugovoi, um homem do mundo, disse que considerou aquilo embaraçoso.
Dmitry Kovtun participou pela primeira vez de uma reunião em 16 de outubro. "Foi uma conversa bem-sucedida", ele disse. Depois dela eles foram almoçar no restaurante de sushi Itsu, em Piccadilly Circus, que poucas semanas depois ganharia fama mundial, e Litvinenko novamente irritou todo mundo. "Ele se comportava de forma estranha", lembrou Kovtun. "Não era possível falar de política com ele. Ele simplesmente não conseguia parar de falar de política."
E Kovtun também lembrou de outra coisa. No sushi bar, Litvinenko disse a seus dois convidados de Moscou: "Eu não vou comer nada, não estou me sentindo bem. Eu me envenenei há alguns dias e tenho vomitado desde então". Mas ele acabou comendo algo e "até mesmo exibiu apetite", observou Kovtun.
Então veio o encontro de 1º de novembro - o dia em que a Scotland Yard acredita que Litvinenko foi envenenado. Eles não tinham a intenção de se encontrar, disseram tanto Kovtun quanto Lugovoi.
Kovtun foi de Hamburgo para Londres naquele dia. Sua ex-esposa alemã mora em Hamburgo. No último fim de semana, os investigadores revistaram a casa dela e encontraram traços de polônio. "Nós não planejávamos nos encontrar com Alexander", disse Kovtun. "Mas Litvinenko insistiu em ver seus parceiros de Londres." Lugovoi acrescentou: "Nós nos encontramos. Apenas por 30 minutos".

Com rosto pálido e verde

Havia uma mesa livre no Pine Bar do Millennium Hotel quando Kovtun e Lugovoi voltaram de uma reunião com a firma de segurança Erynis. Litvinenko chegou um pouco depois e parecia bastante empolgado.
A esposa de Andrei, Svetlana Lugovaya, que também estava na sauna, disse: "Ele estava com rosto verde e pálido e parecia confuso".
Todos concordaram que tanto chá verde quanto gim foram bebidos no bar. Kovtun disse: "As doses no Ocidente são pequenas demais, de forma que pedimos de quatro a seis copos de gim, mas também bebemos chá, chá verde". Kovtun disse que ofereceu álcool para Litvinenko. "Na Rússia são maus modos beber e não oferecer algo aos outros."
Litvinenko recusou o gim, mas pareceu dizer sim ao chá. Mas Kovtun, diferente de Lugovoi, disse: "Eu não consigo me lembrar claramente. Ele chegou ao bar 10 minutos depois de nós, nós já tínhamos bebido um pouco e eu estava prestando mais atenção no meu charuto".
Uma reunião importante foi arranjada por Litvinenko para o dia seguinte e Lugovoi concordou em ir. Então passaram algum tempo falando sobre outros planos antes de irem para a partida de futebol. Lugovoi subiu para seu quarto com sua família. Kovtun passou mais cinco minutos no saguão conversando com Litvinenko. Olhando para trás, ele não parecia feliz com a lembrança. "Nós estávamos lá, infelizmente. Perto demais, quase face a face."
Foi a última vez que os dois moscovitas viram seu colega russo. Na manhã seguinte Litvinenko telefonou para Lugovoi às 7h30 e disse que não conseguiria chegar à reunião. "Eu estou me sentindo muito mal." Naquela noite ele telefonou de novo e disse que estava com diarréia.
Mais dois telefonemas foram dados depois destes: em 7 de novembro, Litvinenko disse que tinha ficado inconsciente por quase dois dias, mas que estava se sentindo melhor. Houve uma última conversa em 13 de novembro. Lugovoi: "Eu queria ligar de novo para ele em 20 de novembro. Mas repentinamente meu nome apareceu ligado ao envenenamento".

E esta ligação está ficando mais forte

Litvinenko morreu em 23 de novembro. Os investigadores da Scotland Yard chegaram rapidamente à conclusão de que o misterioso visitante constante de Moscou tinha algo a ver com ela. Desde a semana passada, eles estão certos de que Litvinenko foi envenenado no encontro no Pine Bar do Millennium e não no sushi bar Itsu, a poucas centenas de metros de distância, onde se encontrou com seu contato italiano, Mario Scaramella, no mesmo dia.
O italiano exibia traços de polônio, mas os funcionários do restaurante não exibiram contaminação. É um caso diferente com os garçons do Pine Bar. Todos os sete funcionários que trabalhavam naquela tarde apresentaram teste positivo para polônio.


Uma bomba suja ambulante

Acrescente a tal lista os convidados Litvinenko e Kovtun, que também está sofrendo de envenenamento radioativo. A Scotland Yard considera Lugovoi, com seu rastro de radiação, como uma bomba suja ambulante.
O suspeito, que atualmente está em isolamento em um hospital em Moscou assim como seu amigo Kovtun, pode até entender a posição da Scotland Yard. Ele se ofereceu para testemunhar e foi interrogado por investigadores britânicos em Moscou na segunda-feira.
Em sua entrevista para a "Der Spiegel", ele reconheceu: "Eu sou uma figura fácil para especulação deste tipo. Eu trabalhei com Berezovsky, sou um ex-oficial do serviço de segurança e atualmente um empresário bem-sucedido".
Há dois fins de semana, ele não sabia quão seriamente tinha sido contaminado com polônio, mas uma coisa já estava clara: "Eles encontraram traços de partículas alfa em minhas mãos. Muita coisa foi contaminada: meu corpo, minhas roupas, meu escritório em Moscou, está em todas as superfícies".
Lugovoi se considera uma vítima e disse que alguém está tentando incriminá-lo: "Eu não descarto que eu tenha sido deliberadamente marcado com polônio". E então, ao final da reunião na sauna, o próprio suspeito apresentou dois rastros. Uma leva a Moscou, onde o especialista em proteção pessoal disse que suspeitos são freqüentemente marcados, quando casos de corrupção estão sendo investigados, por exemplo.
O segundo rastro de Lugovoi leva a Londres. Ele aponta que também recebeu documentos de Litvinenko, que sempre lhe dava "pequenos presentes". "É possível imaginar que se algo assim foi planejado, muito pensamento foi dedicado a ele antecipadamente."
Então, de volta ao papel de homem da inteligência, ele começou a falar sobre a rivalidade de décadas entre a KGB soviética e a FSB, sua sucessora russa, de um lado, e o MI6 britânico do outro.
O gabinete da promotoria de Moscou lançou na semana passada sua própria investigação do caso Litvinenko e disse que planeja enviar investigadores a Londres, onde primeiro entrevistarão os dois conhecidos oponentes de Putin, Berezovsky e Ahmed Zakayev, o chamado ministro das Relações Exteriores tchetcheno no exílio, que desfrutam de proteção do governo britânico apesar da existência de mandados de prisão para ambos em Moscou.
O corpo contaminado por radiação de Litvinenko foi enterrado no cemitério Highgate de Londres na última quinta-feira. Ele exibiu um cortejo peculiar, composto de oligarcas exilados, pessoal do serviço secreto, parentes e islamitas devotos.
Oponentes e defensores da alegação de que Litvinenko se converteu ao Islã em seu leito de morte, em respeito à luta na Tchetchênia, quase partiram para a briga. Teorias malucas de assassinato misturadas com oração islâmica.
A propósito, não longe de Litvinenko se encontra um grande alemão: Karl Marx, que também está enterrado em Highgate.

Tradução: George El Khouri Andolfato
Visite o site do Der Spiegel: http://www.spiegel.de/

(UOL Mídia Global, http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2006/12/12/ult2682u298.jhtm, 12/12/2006)