Sovietic News

Thursday, February 10, 2005

O ouro sujo de Moscou (2)

Jovem, 33 anos, playboy, gravata de nó grosso, olhos esbugalhados, pinta de aventureiro internacional, com 5 certidões de nascimento (3 do Canadá e 2 da Inglaterra), o iraniano Kia Joorabchian apareceu em Moscou em 1999 e comprou o "Kommersant", o mais importante jornal econômico-financeiro da Rússia, a"Gazeta Mercantil" ou o "Valor" de lá.

Os russos não sabiam quem ele era. O pai tinha dirigido a maior fábrica de automóveis do Irã. Quando o aiatolá Komeini derrubou o xá Reza Pahlevi, em 1979, a família fugiu para a Inglaterra. Joorabchian estudou química e foi especular na bolsa em Nova York.

Logo depois de comprar o "Kommersant", passou-o para o magnata Boris Berezovski, um dos quatro financiadores mafiosos mais poderosos e íntimos de Boris Yeltsin, já no fim de seu alcoólico e desastrado governo. Os outros três, vimos ontem, eram Mikhail Khodorkovski, Roman Abramovich e o georgiano Badri Patarkatsisvili, que ficaram bilionários da noite para o dia, nas "privatizações" tucanas de Yeltsin, quando ganharam de graça o petróleo, a energia elétrica, o gás, os minérios, etc., as grandes estatais russas.

A MÁFIA RUSSA
No final do reinado, Yeltsin foi entregando o poder a Vladimir Putin, antigo dirigente da macabra KGB, a polícia secreta soviética, que os quatro apoiavam. Mas Putin precisava vencer as eleições presidenciais de 2000, que os comunistas ameaçavam retomar. Putin ganhou com três promessas:
-Não deixar os comunistas voltarem, impedir a independência de qualquer outra das repúblicas da Rússia e cobrar impostos dos mafiosos.
Eleito Putin, os quatro foram acusados de máfia, fraude e fornecimento secreto de armas para a Chechênia e Ucrânia, romperam com ele e começaram a mandar ilegalmente suas fortunas para o exterior, sobretudo a Inglaterra, para lavar o "ouro sujo de Moscou". Khordorkovski foi preso, Berezovski e Abramovich fugiram para Londres e Patarkatsvili, para a Geórgia.
Abramovich comprou o time inglês Chelsea; Patarkatsvili, o Dínamo, da Geórgia; e Berezovski, de repente, apareceu no Brasil, através do testa-de-ferro Joorabchian, o iraniano de olhos esbugalhados, que comprou o Corinthians, prometendo investir US$ 60 milhões logo este ano: US$ 20 milhões para pagar dívidas e US$ 40 milhões na compra de jogadores.

O TESTA DE FERRO
Futebol, no mundo todo, é uma das mais manjadas maneiras de os mafiosos lavarem dinheiro de origem inconfessada. A "operação" Corinthians é ridícula. Joorabchian registrou, em outubro, a empresa "MSI - Brasil Participações Ltda.", que logo virou "MSI Licenciamentos e Administração Ltda.", com capital de R$ 1 mil (sic), em nome dos advogados Carlos Fernando Sampaio Marques e Alexandre Verri, depois substituído por Maurício Fleury Pereira Leitão, todos do escritório Veirano Associados, representante da MSI, que já comprou o argentino Tevez por US$ 22 milhões, sem registrar no Banco Central.
Joorabchian confessa: "A MSI (Media Sports Investments) foi formada para essa negociação. Temos um grupo muito grande, que atua em diferentes áreas, como petrolífera, mídia, entretenimento. Não tínhamos empresa ligada a futebol. Então criamos a MSI, uma off-shore (empresa para colocar dinheiro e corporações a salvo dos países), nas Ilhas Virgens Britânicas" (Folha).
Qual "o grupo" por trás de Kia Joorabchian?
A "Veja" contou:"O iraniano Joorabchian jura que os US$ 60 milhões que sua empresa, a MSI, investiu no Corinthians, nada têm a ver com o magnata Boris Berezovski, acusado de envolvimento com a máfia russa. Difícil é convencer o presidente do clube, Alberto Dualibi. Há seis meses, Kia levou Dualibi para jantar na mansão de seu amigo Boris, na Inglaterra. Lá, encontrou dois filhos do anfitrião envergando o uniforme do time alvinegro".

A IMPRENSA E O GOVERNO
Inacreditável é a cumplicidade da imprensa e do governo. Nossas briosas TVs e jornalões trataram Joorabchian como um São Francisco do futebol, com visto vencido. Na "Folha", o jornalista Fernando Mello agia como porta-voz exclusivo. E, de repente, aparece como assessor de imprensa da MSI. A "Folha" mudou de tom, mas ainda não fez um "Erramos" ou mea-culpa no ombudsman.
O governo, pior ainda. Lula é conselheiro do Corinthians, onde dá palpite de todo tipo, até sobre batida de lateral. Genoino também é conselheiro. José Dirceu é sócio. Waldomiro Diniz, não sei. O ministro Agnello Queiroz não poderia alegar não saber de nada, por ser baiano: será que o governo não leu o minucioso relatório da Abin que conta tudo e está no Ministério Público?
Ainda bem que muita gente cumpriu seu dever: Rubens Approbato, ex-presidente da OAB; Valdemar Pires, ex-presidente do Corinthians; Roque Citadini, presidente do Tribunal de Contas e vice-presidente do clube; Eduardo Rocha Azevedo, ex-presidente da Bolsa; Manuel Cintra, presidente da BMF; o deputado Romeu Tuma; os desembargadores, juízes e promotores do Conselho do Corinthians; e, na imprensa, sobretudo o bravo jornalista Juca Kfouri.

Sebastião Nery

(Tribuna da Imprensa online, www.tribunadaimprensa.com.br, 10/02/2005)

Wednesday, February 09, 2005

O ouro sujo de Moscou

Ele estava nu na sauna ("banya", em russo), em Moscou, em 1989, e "foi assediado por um grupo de homens também nus que o incitaram a manter uma rebelião contra a estrutura do Partido Comunista soviético".Tempos depois, já presidente da Rússia, Yeltsin confessaria:"Naquele momento na banya (sauna), mudei minha visão do mundo. Ali entendi que eu era comunista por tradição, por inércia, por educação, mas não por convicção". Ex-engenheiro de uma empresa construtora no interior da União Soviética, esportista amador, técnico de um time feminino de vôlei, praticante de tênis, esqui, ginástica e boxe, mandachuva municipal do Partido Comunista em Moscou, Boris Nicolaievski Yeltsin também confessou que "era capaz de ser facilmente influenciado e chegou a mudar inteiramente de idéia sobre determinados assuntos, graças a uma palavra ouvida no meio de uma conversa ou uma frase lida num artigo de jornal".E era, sobretudo, um alcoólatra.

GORBACHEV
Essa história, contada por seu principal biógrafo, o russófilo inglês John Morrison, no livro "Boris Yeltsin, de bolchevique a democrata", está relembrada em um livro primoroso e imperdível do jornalista e escritor Geneton Moraes Neto, "Dossiê Moscou", do ano passado (Geração Editorial).
Geneton estava em Moscou no dia 16 de junho de 1996, quando se realizou a primeira eleição direta para presidente da República na história da Rússia, "início de uma nova era". Yeltsin derrotou Gennady Ziuganov, doutor em Filosofia, professor de Matemática, ex-vice-diretor do Departamento de Ideologia do PCUS, que refundou o Partido Comunista: dissolvido por Gorbachev, fez maioria no parlamento russo e quase derrotou Yeltsin.
Yeltsin derrotou também Mikhail Gorbachev, "o homem que é um fracasso eleitoral dentro de casa e arrasta multidões no exterior", "entrou para a história porque mudou o rumo do século XX" (com o Papa João Paulo II), e, segundo outros, "vai entrar para a História como o maior reformador do século XX", "salvou a Rússia da escravidão", "libertou o mundo do medo da aniquilação nuclear" e recebeu de seu povo a humilhação de 1% dos votos.

YELTSIN
No dia 11 de março de 1985, um jovem de apenas 54 anos, ilustre desconhecido para o resto do mundo, assumiu o poder no Kremlin, como secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética.
Seis anos depois, em 31 de dezembro de 1991, Gorbachev oficializou o fim do império soviético, da União Soviética, e a libertação dos países a ela vinculados. A Rússia virou de cabeça para baixo, chegou à beira da guerra civil, sofreu um golpe frustrado de generais e caiu nas mãos do grande, gordo, alcoolizado e desastrado Boris Yeltsin, que entregou o país à máfia russa:
"Uma vez, numa entrevista no Kremlin, Yeltsin precisava consultar discretamente anotações produzidas por assessores ao responder a perguntas sobre temas que supostamente faziam parte do seu dia-a-dia presidencial. Ainda assim, confundiu Tzaquistão com Uzbequestão e destino do lixo atômico com uso de arma atômica".

A MÁFIA RUSSA
Em 95, véspera da eleição de 96 (para ele, reeleição, porque já estava no governo), Yeltsin precisava "fazer caixa" e resolveu privatizar todas as empresas estatais. Mais audacioso ainda do que Fernando Henrique, criou o programa "ações por empréstimo": as estatais "passavam ao controle acionário de empresários que, em troca, davam um dinheiro ao governo; como não iam mesmo receber o dinheiro de volta, ficaram com as empresas todas".
Do dia para a noite, apareceram na Rússia uns 20 bilionários, os "oligarcas", a quem Yeltsin doou o país, que fatiaram para eles: Mikhail Khodorkovski (o mais rico, "rei do petróleo"), que ficou com a Yukos de petróleo e está preso em Moscou por fraude; Roman Abramovich, namorado da filha de Yeltsin e hoje o homem mais rico da Inglaterra, para onde fugiu, com uma fortuna de US$ 14,5 bilhões; Boris Berezovski, também foragido na Inglaterra, sócio de Abramovich na gigante de petróleo Sibneft, pela qual deram a Yeltsin US$ 225 milhões, em "ações por empréstimo", quando o valor de mercado era de US$ 2,8 bilhões (em 2003, já estava avaliada em US$ 15 bilhões); Badri Pastarkatsishvilli, magnata mafioso georgiano; e outros.

KIA JOORABCHIAN
De repente caiu de pára-quedas no Brasil o misterioso iraniano Kia Joorabchian, testa-de-ferro de Berezovski, Abramovich e Pastarkatsishvilli, com um "fundo de investimentos" mafioso das Ilhas Virgens britânicas, o MSI, comprou o Corinthians e o governo o recebe de braços abertos.

Por que o presidente Putin, da Rússia, eleito por Yeltsin com apoio e financiamento de todos eles, os prendeu ou escorraçou?(Conto amanhã.)


Sebastião Nery

(Tribuna da Imprensa online, 09/02/2005)